O Arquivo Zumví é um trabalho de quase três décadas que valoriza a cultura, a memória e a resistência do povo negro na Bahia através de fotografias que não somente salvaguardam narrativas do nosso povo, como também agenciam uma luta contra o apagamento histórico do protagonismo negro nas importantes transformações sociais e políticas que atravessamos.
O acervo surge do extenso trabalho do fotógrafo Lázaro Roberto de registrar as dinâmicas de luta do movimento negro na Bahia, a partir do seu incômodo em perceber que éramos muito retratadas/os, porém não por nossas próprias lentes. O olhar do outro historicamente nos definiu, classificou, representou e foi responsável pela sedimentação de estereótipos e construções de narrativas de subalternidade, que mais nos ocultavam do que revelavam em nossas potências. Quando nos apossamos da possibilidade de narrar nossas próprias histórias, de construir imagens de nós mesmas/os a partir do nosso ponto de vista, abrimos possibilidades de deslocamento, afirmando a grafia de marcas deixadas em lacunas pelos caminhos que tentaram apagar.
É preciso lembrar que não é por falta de trabalho, de profissionais ou de iniciativas que não tivemos a oportunidade de narrar nossas histórias. Militantes, artistas, intelectuais e organizações independentes vêm há muito tempo buscando meios de denunciar e questionar os mecanismos de legitimação e visibilização da produção de ate e conhecimento estabelecidos como oficiais, para que pudéssemos alcançar outros espaços de vez e voz. Contudo, devido aos processos históricos e que também se atualizam no genocídio de nossos corpos e subjetividades, nossas produções e reflexões são ocultadas por um véu que turva a vista e tenta nos invisibilizar.
Lázaro, seu sobrinho e historiador José Carlos Ferreira, e muitas e muitos outros seguem na luta por afirmação de nossas potências, pela possibilidade de nos mostrarmos a partir dos nossos olhares, valorizando nossos traços, nossa beleza, nossa diversidade cultural, nossa força, nossas lutas e conquistas, nossa resistência, mas também nossa capacidade de criar, gerar e fabular mundos e futuros, para que possamos existir de maneira digna, em respeito e cooperação.
As imagens que compõem esta exposição são um recorte, dentro do vasto e profundo universo de memória que é o Acervo Zumví, um fragmento cuidadosamente selecionado com o intuito de compartilhar registros de momentos muito caros de nossa história e de trajetórias por vezes esquecidas por não serem devidamente contadas. Marchas de protesto, caminhadas de afirmação, percursos em quilombos, a dinâmica das lideranças, as tensões em torno da abolição inacabada e não planejada em nosso favor, os agrupamentos de mulheres e outras passagens, dizem dos caminhos trilhados por nosso povo na batalha por melhores condições de vida e coletividade. Como também dizem da sensibilidade e do olhar atento de Lázaro para não deixar escapar detalhes importantes que enriquecem e trazem complexidade para nossas narrativas.
Cada imagem é capaz de dizer muitas palavras e de nos transportar para momentos históricos decisivos, que nos fazem compreender muito do que alcançamos hoje e da narrativa que não consta nos livros e nas cartilhas escolares, pois lá, aparecem por muitas vezes, pintadas de branco e desde um olhar que não está interessado em admitir atitudes algozes, mas que preferem nos subalternizar e deslocar de nossos protagonismos. A exposição do Acervo Zumví vem levantar seu punho diante dessa opressão, do apagamento provocado pelo racismo, e vem mostrar que sim, sempre estivemos atentas/os, fortes e em movimento pela nossa libertação, afirmação e respeito. Que sigamos recontando nossas histórias e criando novas possibilidades de narrativa na vida e na arte.